“Eu assisti algumas vezes para assimilar aquelas falas. Me senti muito mal e pensei, especialmente, nas atletas do Santos que foram discriminadas, objetificadas, sexualizadas e alvo de uma fala também muito violenta. Não tive dúvidas que aquele senhor atingia a todas mulheres e que algo precisava ser feito”. Valéria Mendes foi a conselheira responsável pelo requerimento pedindo que o Comitê de Gestão tomasse uma providência contra o ex-conselheiro do Santos, Sergio Ramos.
No dia 30 de janeiro, Ramos falou em uma transmissão ao vivo no Youtube que ‘campo de futebol não é lugar de mocinha’, entre outras frases de caráter machista. Valéria tomou a iniciativa em um domingo à noite, mandando o requerimento em um grupo de WhatsApp com outros 40 conselheiros, mas apenas 16 assinaram. “Eu me senti como uma mulher que cumpre seu papel na sociedade independente dos outros. Ao invés de divagar sobre o número de assinaturas, prefiro olhar que o caso foi tratado de forma célere pelo Comitê de Gestão e que eu fiz a minha parte. O caso tomou grande visibilidade e certamente serviu de lição para muitas pessoas”, afirmou a conselheira, após Sergio ter sido expulso do quadro de associados com unanimidade dos votos do Comitê Gestor do Santos presidido por Andres Rueda.
Apesar da visibilidade que a Valéria teve, chegar ao Conselho não foi algo fácil. O desejo surgiu em 2017, mas só se concretizou de fato na gestão atual, o que é um orgulho, afirma. “Um estudo publicado pelo portal GE (Globo Esporte) em março de 2020, mostrou que em 20 clubes da série A do Brasil há 6887 conselheiros, entre eles, apenas cerca de 3,6% são mulheres. Eu me sinto honrada, privilegiada e com uma enorme responsabilidade”, contou a conselheira.
Mesmo conquistando um espaço significativo dentro do Conselho Deliberativo do Santos, Valéria Mendes fala que está só dando o primeiro passo. “Acredito que meu papel, assim como das outras mulheres que estão no Conselho, é o de plantar sementes. A realidade atual é reflexo de toda uma história repleta de paternalismo que distanciou e ainda distancia mulheres de ambientes como este. Não tem como fazer todas as mudanças necessárias em 3 anos. Mas é a oportunidade de fomentar o debate em torno da mulher torcedora, jogadora, trabalhadora e conselheira do Santos”.
No Santos, o Conselho conta com 300 homens e apenas 7 mulheres, um número pouco significativo, mas Valéria já tinha clareza que seria contestada e criticada quando decidiu se colocar à disposição do clube, principalmente pelo fato de ser mulher. O que faz a conselheira não desistir é o amor pelo clube. “Eu me enxergo como uma pessoa que antes de mais nada é uma torcedora apaixonada pelo Santos. Isso por si só, me traz um grande senso de responsabilidade”.
“Penso que meu papel seja trabalhar pelas pautas femininas, dar visibilidade a toda esta temática a fim de inspirar e encorajar mais mulheres a ocupar espaços dentro do Futebol. A mulher precisa estar inserida dentro do planejamento estratégico que vai nortear as ações do Santos F.C. durante este triênio”. Valéria tem apenas dois meses de atuação no cargo, e tem sido bastante positivo o retorno das ações dela, mas ainda acredita que a gestão atual tem um longo e denso trabalho de reestruturação pela frente voltada a visibilidade, representatividade e outros temas ligados à mulher.
“Gostaria que as pessoas percebessem que a desigualdade entre homens e mulheres no Futebol foi construída dentro da nossa sociedade. Enquanto mulheres apanharem dentro de casa e sofrem com violência sexual nas ruas, dificilmente, irão se sentir plenamente seguras para frequentarem estádios de futebol”, finalizou Valéria. No mês da mulher, o desejo de Valéria Mendes é que o clube mantenha o compromisso para não perder de vez o protagonismo que já existiu no futebol das Sereias da Vila.
*No mês da mulher, a série de reportagem Mulheres da Vila a história de grandes santistas, que em suas diferentes atuações no Santos Futebol Clube, trazem representatividade e amor em suas ações, mostrando que elas também têm um papel essencial no Peixe.