[vc_row][vc_column][vc_column_text]Nos últimos anos, a questão das apostas desportivas ganhou os holofotes no mundo do futebol, em especial o brasileiro.
No final de 2018, o governo do ex-Presidente Michel Temer promulgou a Lei n.º 13.576, que autorizou as apostas de quota fixa, termo jurídico para as apostas desportivas. Contudo, a lei previa que o Ministério da Fazenda regulamentasse, em até dois anos, prorrogável por igual período, a questão:
Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá em todo o território nacional.
§ 1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico.
§ 2º A loteria de apostas de quota fixa será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda e será explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, com possibilidade de ser comercializada em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais.
§ 3º O Ministério da Fazenda regulamentará no prazo de até 2 (dois) anos, prorrogável por até igual período, a contar da data de publicação desta Lei, o disposto neste artigo.
Passados mais de quatro anos desde a promulgação da referida lei, ainda não ocorreu a regulamentação pelo Ministério da Fazenda.
No entanto, a medida provisória objetivando regulamentar as apostas desportivas no país deve ser editada e publicada pelo Presidente Lula nas próximas semanas, tendo em vista que a mesma já tramitou pela Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão da Casa Civil. Por meio desta medida provisória, o Governo Federal pretende taxar as empresas e os apostadores que atuam no mercado de apostas esportivas da seguinte forma: a) apostadores pagarão 30% da quantia sobre os valores dos prêmios recebidos; b) as empresas pagarão 15% de imposto sobre o lucro, além do pagamento de R$ 30 milhões por uma licença de cinco anos para atuar no ramo.
Além do mais, nas últimas semanas, com a deflagração da “Operação Penalidade Máxima”, o Ministério Público do Estado de Goiás está investigando suposto esquema de manipulação de resultados no futebol brasileiro, envolvendo aliciadores e atletas profissionais.
Nossa legislação pátria prevê que manipuladores, sejam eles apostadores, jogadores, dirigentes, árbitros, empresários etc. podem ser condenados a uma pena de dois a seis anos, de acordo com o comando dos artigos 41-C a 41-E do Estatuto do Torcedor (Lei n.º 10.671/03):
Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado: Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Não obstante a esfera criminal, eventuais envolvidos em esquemas de manipulação de resultado também podem ser punidos na Justiça Desportiva, com fundamento no previsto nos artigos 243 e 243-A do Código Brasileiro de Justiça Desportiva:
Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias.§ 1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias e eliminação no caso de reincidência, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$100.000,00 (cem mil reais).
§ 2º O autor da promessa ou da vantagem será punido com pena de eliminação, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).Parágrafo único. Se do procedimento atingir-se o resultado pretendido, o órgão judicante poderá anular a partida, prova ou equivalente, e as penas serão de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de doze a vinte e quatro partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Ainda, há um tipo penal previsto no artigo 242 para aqueles que deem ou prometam vantagem ilícitas para membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta etc:
Art. 242. Dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou qualquer pessoa natural mencionada no art. 1º, § 1º, VI, para que, de qualquer modo, influencie o resultado de partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e eliminação.Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o intermediário.
Destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) possui o poder para abertura de processos disciplinares contra envolvidos em esquemas de manipulação de resultados desportivos.
Recentemente, a Premier League aprovou a retirada de patrocínios de casas de apostas da frente das camisas das equipes que componham a liga, porém a medida terá efeito a partir da temporada 2026/27, de modo a não prejudicar os contratos firmados atualmente. Dentre as equipes que disputam a maior divisão do futebol inglês, oito possuem esse tipo de patrocínio: Bournemouth, Brentford, Everton, Fulham, Leeds, Newcastle, Southampton e West Ham.
Há alguns anos, o governo italiano publicou o Decreto pela Dignidade, que dentre suas medidas prevê a proibição de publicidade de casas de apostas no futebol, contudo os clubes estão encontrando brechas na legislação.
A LaLiga, campeonato da elite do futebol espanhol, segue no mesmo sentido, proibindo patrocínios de sites de apostas na camisa dos clubes, todavia os clubes vem firmando contratos com equipes de fora da Espanha, burlando a legislação.
Passando a falar do futebol brasileiro, segundo levantamento do portal eletrônico Máquina do Esporte, “dos 124 times que disputarão alguma divisão nacional em 2023, 69,4% têm patrocínio de plataformas de apostas. Desses, 33,9% são patrocínios másteres, ocupando o espaço mais nobre da camisa dos times”.
Há pouco menos de um mês, o Santos Futebol Clube oficializou a Blaze, empresa de apostas esportivas online, como patrocinadora master do clube. O contrato renderá em torno de R$ 45 milhões para o Peixe.
Ainda, no que se referem às competições da FIFA, a empresa Betano, casa de aspostas esportivas, foi patrocinadora da Copa do Mundo de 2022 e do último Mundial de Clubes. No Brasil, a empresa europeia patrocina a Série B do Brasileirão, a Copa do Brasil e a Supercopa do Brasil, além de recentemente ter patrocinado o Campeonato Carioca.
Pois bem, passando a análise opinativa do tema, há quem defenda que a CBF deve proibir o patrocínio de casas de apostas esportivas em todas suas competições no país; outros defendem que nossa legislação pátria deve regulamentar a questão por meio de taxação, com alguns até levantando a bandeira da proibição desse tipo de aposta no país.
A lisura nas competições esportivas, bem como a ética de todos os envolvidos, sempre serão deveres, não só legais, mas também éticos e morais. O esporte tem um papel crucial em nossa sociedade, principalmente em virtude de ser um fenômeno social, abrangendo os mais variados setores.
Devemos lembrar que alguns poucos atletas estarem sendo investigados por supostos esquemas de manipulação não torna essa a regra para todo profissional do ramo, mas sim a exceção. Não podemos atacar a idoneidade de qualquer atleta, colocando em dúvida suas posturas éticas e morais no exercício de sua profissão, como se todas as partidas fossem manipuladas de algum modo. Aqui faço minhas as palavras de um professor ao longo da graduação em Direito: “devemos sempre presumir a boa-fé dos terceiros, senão entraremos em um mundo de descrédito e desconfiança, não nos permitindo viver em sociedade e criar relações, e isso é assustador”.
Particularmente, não vislumbro como a taxação dos sites de apostas esportivas coibiria efetivamente eventuais manipulações de resultados desportivos, principalmente em virtude de que os Ministérios Públicos e as Polícias Civis de vários Estados estão se atentando ao fato de que o crime organizando existente em nosso país tem forte interesse no tema, lucrando muito com esse tipo de ilícito. Outrossim, o fato de um particular realizar uma mera aposta em um site não é ilícito, de acordo com nossa legislação; pode até haver a reprovação moral de parte da sociedade, mas crime em si não é.
Não obstante, não há nada que impeça nossa legislação de impor medidas de regulamentação e compliance mais efetivas para as empresas que atuem neste segmento, de modo a identificar a prática de crimes. Também, as federações e os clubes precisam ter consciência de que as casas de apostas esportivas, ao menos neste momento, são uma realidade, devendo buscar meios de não só combater, mas também prevenir a prática de ilícitos, e aqui entra o papel do compliance; acerca desta ferramenta no futebol, vale a leitura do artigo elaborado pelo Dr. Bruno Milanez, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal, do qual cito o seguinte trecho:
(…) um programa de compliance robusto não é aquele que se limita apenas a implementar políticas de integridade. É necessário, ainda, atualização constante das políticas de ética e transparência, motivo pelo qual se faz necessário que os treinadores, jogadores, diretoria, etc, realizem cursos, workshops, palestras, para que estejam sintonizados com as diretrizes do Código de Ética do Clube e com a legislação mais recente no que se refere à prevenção de ilícitos.
Posto isso, de fato a questão das casas de apostas desportivas, seus patrocínios no mundo dos esportes, a prática de ilícitos por envolvidos nas competições esportivas, a legislação pátria e as medidas que deverão ser tomadas demandarão estudos profundos, com opiniões de diversos segmentos, em especial das federações e dos clubes de futebol.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]