Fala rapaziada, peixada, moçada, tudo bom com vocês? Por aqui, já ouvi, um Gustavo Lima, uma Marília Mendonça e a saudade do Santos só aumenta.
Mas existem análises a serem feitas nos cenários administrativo e político do clube, e para entender como andam as coisas no Reini do Futebol, fomos procurar apoio, junto ao Cesar Grafietti, com 27 anos de mercado, economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte.
Bom… confere o papo ai…
MP: Com a mudança da liderança no senado (Rodrigo Pacheco), projeto de lei que pode transformar uma associação sem fins lucrativos em empresa, volta à tona.
Um clube com a marca do Santos Futebol Clube, e também com seus problemas, deve pensar nesse modelo?
Você vê na figura do Presidente Andrés Rueda e sua equipe formada por pessoas do mundo corporativo e do mercado de investimentos, a maturidade e a transparência necessária para conduzir esse assunto?
CG: Acho que todos os clubes deveriam pensar nesse modelo. Não significa que devam cegamente acreditar que ele é a solução, porque há riscos que vem junto com os benefícios. Fazer uma boa ponderação de ambos é fundamental para uma boa decisão. A equipe que hoje gere o Santos tem total capacidade e conhecimento para desenvolver um estudo amplo sobre o tema. Os torcedores costumam pensar nos modelos com um único dono, mas é possível desenvolver modelos com participação de torcedores no controle, divisão de poderes, controles externos.
“A equipe que hoje gere o Santos tem total capacidade e conhecimento para desenvolver um estudo amplo sobre o tema.”
Mas o clube precisa pensar nisso não como uma tábua de salvação, e sim como um passo futuro, depois de reestruturado, e como forma de alavancar a capacidade competitiva da marca. Obterá mais valor se entrar num processo desses mais sólido. Quem tentar este caminho como salvação tende a ter mais dificuldades em encontrar o modelo mais eficiente.
MP: O Santos é reconhecido mundialmente por sua característica de formar e lançar jogadores.
O ex-presidente Laor dizia ser mais importante vender o espetáculo que o artista. Como o Santos pode se colocar no mercado, de forma que seja reconhecido pelo que entrega no campo ao invés de ser um simples fabricante que entrega suas peças feitas em casa?
Qual o valor disso para o mercado do futebol?
CG: Primeiro precisamos entender algumas coisas. O futebol brasileiro é formador e exportador de atletas. Não há como competir com os europeus porque o dinheiro vale mais, porque os clubes enquanto indústria estão algumas décadas à nossa frente. Já pensam a competição antes das marcas, pensam no coletivo em detrimento do individual. Isso os tornou potentes.
“Se temos que vender, porque isso inclusive faz parte da estratégia de reciclar ativos e reinvestir os valores, temos que estar com os clubes financeiramente sólidos para que as vendas sejam apenas daqueles atletas fora-de-série. E poucos.”
Então, se temos que vender porque isso inclusive faz parte da estratégia de reciclar ativos e reinvestir os valores, temos que estar com os clubes financeiramente sólidos para que as vendas sejam apenas daqueles atletas fora-de-série. E poucos. Temos que ter a capacidade de pagar bem e segurar a maior parte dos atletas. E isso será possível se os projetos forem de longo prazo. Primeiro reforçando a cultura esportiva, propondo trabalhos de longo prazo a treinadores e atletas, e pagando todos em dia. Essa segurança proporciona maior tranquilidade de trabalho, e isso significa mais resultados. E há uma mudança coletiva que precisa acontecer: temos que repensar o futebol brasileiro enquanto desenvolvimento tático e de calendário. Redução de jogos, usar o Estadual como pré-temporada, com menos jogos, e preservando a qualidade do treinamento. Mas isso é algo que só acontecerá no longo prazo, pois demanda uma união de clubes que hoje não existe.
MP: O modelo de gestão do Santos Futebol Clube está baseado na formação de um comitê gestor, que de forma colegiada, toma as decisões e comanda o clube no dia dia.
Esse modelo, está alinhado com as melhores práticas de governança no cenário do futebol mundial?
CG: De certa forma sim. É preciso definir uma governança clara sobre o papel de cada compartimento do clube. Então é necessário que haja alçadas para que o pessoal executivo opere, outra alçada para que o comitê de gestão entre e por fim um conselho de administração acima de tudo que defina regras gerais de longo prazo, que possam e devam ser seguidas por qualquer gestor, alteradas apenas a cada 12 anos, por exemplo. Sem um dono que decide tudo no fim do dia, é fundamental que a equipe executiva seja capacitada, para não sobrecarregar o comitê gestor nem tirar a agilidade da gestão.
“É fundamental que a equipe executiva seja capacitada, para não sobrecarregar o comitê gestor nem tirar a agilidade da gestão.”
MP: No cenário pós pandemia, quais as saídas para um clube como o Santos melhorar sua captação de receitas?
CG: O cenário é muito complexo mesmo. Se a TV é mais ou menos fixa e os contratos estão dados, não há bilheteria, resta buscar caminhos em termos de Marketing e modelos de acesso aos torcedores que vão além dos modelos de sócio torcedor. Os clubes precisam buscar maior eficiência na gestão da marca, através de pessoal especializado em marketing esportivo. Usando dados, pesquisas, desenvolvendo produtos específicos para mais de um parceiro.
Não é fácil no meio de uma pandemia, mas é um caminho a ser trabalhado desde já. Além disso, com menos pessoas nos estádios e mais pessoas em casa, o desenvolvimento de conteúdos que possam servir de contato entre torcedor e clube são fundamentais, e precisam ir além das gracinhas nas redes sociais. Tem que servir de base de contato mesmo, o torcedor precisa pensar nos canais do clube como uma possibilidade de entretenimento, e isso pode virar assinatura de serviços no futuro, mas especialmente uma forma de entregar retorno para parceiros. Este é o caminho.
MP: Achei muito interessante uma publicação sua sobre a estrutura organizacional de um clube de futebol e fiz um comparativo com nosso atual comitê gestor.
Seria mais ou menos esse modelo? (Vide abaixo)
CG: Isso mesmo, e a atual gestão do Santos tem total capacidade de executar um plano de desenvolvimento com essas pessoas nessas “caixinhas”. E o grande segredo é ter as tais “caixinhas” como referência mas com total mobilidade e intersecção entre elas. Porque não existem de forma isolada. Por exemplo, os processos de contratações deveriam iniciar com o gestor do futebol, mas serem discutidos sob todas as óticas, das finanças ao jurídico, das receitas ao que traz de inovação. Parece exagero, mas clubes que formam muitos atletas precisam ser cirúrgicos nas contratações, especialmente porque o dinheiro é curto. Então essa visão 360 graus é algo que fará diferença nos clubes brasileiros, tão engessados como são atualmente.
Eis o modelo, lembrado que os nomes podem ser alterados em suas posições mas o princípio se mantém
CEO (Chief Executive Officer): também conhecido como diretor geral, é aquele que faz a roda girar. Responsável por garantir que o planejamento estratégico seja colocado em prática. Precisa ter um conhecimento importante não apenas da atividade core, mas também de tudo que se passa no clube.
No fim, é quem deve ser o responsável pela interlocução entre a estrutura executiva e a direção política, se pensarmos numa associação. Em clubes-empresa, é quem se reporta ao presidente, que geralmente é o dono do clube.
O CEO precisa estar atento à operação, mas também ao mundo exterior. Deve ser o responsável pelo orçamento e por garantir sua execução. Conhecer e transitar por todas as áreas, mas decidir dentro das responsabilidades conferidas pela governança. Para fora do clube, tem que observar oportunidades e riscos. Um CEO nunca pode ser pego de surpresa.
CFO (Chief Financial Officer – Financeiro): responsável pela realização do orçamento, bem como seu guardião. Inclusive, nos locais onde há modelos de Fair Play Financeiro, é ele quem aponta as fragilidades e faz o monitoramento que vai permitir ou inviabilizar uma contratação.
Na estrutura de apoio ao cargo, deve estar à parte de controladoria, contabilidade e gestão de risco. Todos os riscos. E aqui começam as intersecções. Porque toda análise de contratação de atleta precisa trazer os riscos associados. O CFO tem que ter uma forma de mensurar os riscos, com a pergunta básica: “O que pode dar errado?”.
Mas não só isso. O CFO tem que estar atento à área de receitas, pois os modelos de pagamentos eletrônicos e open banking podem ser alimentados em conjunto com os programas de sócio torcedor e parceiros financeiros, de forma a gerar receitas e reduzir custos. Para isso, é necessário parceria constante com a área de TI e inovação.
COO (Chief Operation Oficer – Diretor Esportivo): este é o coração do sistema. No Brasil, costumam chamar de várias coisas, mas a nomenclatura mais comum é a do executivo de futebol. Nos clubes europeus, essa função é nobre e demanda conhecimento de treinador e gestor, além de cada vez mais estatística e tecnologia.
Ele é o responsável pelo futebol profissional e pela base. A partir da definição de modelo de jogo, busca treinador e elenco, utilizando ferramentas de scouting cada vez mais avançadas.
Ele tem forte interrelação com o CFO, mas também com a área de TI. Apesar de muitos clubes utilizarem sistemas de scouting de mercado, muitos estão desenvolvendo ferramentas próprias, adaptadas às demandas do clube.
Importante: eles não batem à porta da área de receitas para justificar uma contratação na base do “o patrocinador paga”.
CRO (Chief Revenues Officer – Receitas): é o responsável por todas as receitas do clube. É quem negocia e gera receitas. Engloba desde o marketing, passando por precificação de ingressos, relacionamento de redes sociais e desenvolvimento de conteúdo. É quem vende a marca e a transforma em dinheiro. Para isso, precisa de uma estrutura forte, com recursos de orçamento para buscar receitas. No Brasil, é visto como custo, quando, na verdade, é investimento.
CIO (Chief Information Officer – Tecnologia e Informação): é o responsável pelo desenvolvimento de tecnologia do clube. Cada vez mais, esse cargo busca alguém que precisa estar associado à inovação. A velocidade de mudanças nesse segmento demanda estar próximo aos hubs de inovação, pois muitas vezes é mais barato contratar algo de fora do que montar internamente. Ele terá interrelação com receitas, esportivo e financeiro, servindo de base para os desenvolvimentos gerais.
CLO (Chief Legal Officer – Jurídico): é a área responsável pelos contratos, pela parte legal. Cada vez mais os contratos possuem cláusulas e condições diferentes – os riscos estão nos detalhes. Por isso, áreas atualizadas e aptas a lidar com eles são fundamentais. (Lembrando que no caso do Rafael o mesmo não tem formação jurídica)
Oliva/Sion
CIO (Chief Inovation Officer – Inovação): esta é a função mais controversa. Porque inovação deve permear toda a estrutura. Talvez nem haja a necessidade de uma área que pense apenas em inovação. Mas certamente há a necessidade de alguém que circule pelo ambiente, o conheça profundamente e seja capaz de ajudar nas evoluções necessárias, que são constantes e muitas vezes precisam de um impulso externo que faça estrutura ir além das demandas cotidianas.
Gilberto M S Afonso
22 de março de 2021 at 15:20
Excelente entrevista! Acho fundamental a idéia de um Plano Estratégico de longo prazo ( mínimo de 10 anos) a ser seguido pelos gestores que entrem nesse intervalo.
Não sei se um Comite de Administração seria viável num clube, sem fins lucrativos, tipo associação.