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Médica das Sereias fala sobre trabalho no clube e explica protocolos de prevenção ao coronavírus

Crédito: Arquivo Pessoal

Contratada definitivamente há dois meses para compor a comissão técnica das Sereias da Vila, a Doutora Vanessa Resende é mestre em Ortopedia e Traumatologia. Iniciou sua história no clube em 2018, quando foi convidada pela ex-treinadora Emily Lima para compor a comissão técnica que disputou a Libertadores em Manaus, onde atuava somente em dias de jogos ou viagens com o time.

Possui experiências em outras equipes, como Juventus e Audax, e integrou a Seleção Brasileira, onde permaneceu entre 2012 e 2017, colaborando com o Bicampeonato Sul-Americano Sub-20 e o Mundial de Papua Nova Guiné.

Com a reestruturação da modalidade no Santos, Dra. Vanessa foi integrada ao elenco pelo coordenador das Sereias Amauri Nascimento, com apoio de Fábio Novi, responsável pela área médica do clube.

Além do futebol feminino ela trabalha com MMA , onde já coordenou eventos como o XFC e assumiu a diretoria médica da Confederação Brasileira de MMA (CBMMA) desde sua fundação.

Faz parte do grupo de trauma esportivo da Santa Casa de São Paulo desde 2007, e coleciona participação em eventos de diversas modalidades, como o Pan-Americano do Rio de Janeiro, e o teste de Doping dos eventos da natação do Comitê Paralímpico.

Em entrevista exclusiva ao Meu Peixão, ela falou da rotina de trabalho no Santos e sobre os protocolos de seguranças para o esporte, em tempos de pandemia.

Crédito: Arquivo Pessoal

Quais os principais desafios de atuar na área esportiva?

Sempre digo que para atuar na medicina esportiva temos que ter uma visão multidisciplinar, porque não basta ser médico e ter conhecimento médico, precisamos conhecer no mínimo o básico das regras e fundamentos das modalidades em que trabalhamos, e principalmente saber lidar não só com os atletas, mas com a comissão técnica, dirigentes e imprensa! Brinco que cuidar dos atletas é a parte mais fácil! Mas o maior desafio com certeza é conseguirmos a melhor performance possível com saúde dos nossos atletas. Com um bom trabalho contínuo de prevenção e uma equipe de campo sincronizada a longo prazo, isso é possível!

Além disso, no futebol feminino ainda não se tem o suporte financeiro do masculino, o que ainda é um desafio para muitos clubes que não possuem estrutura médica alguma. Mas estamos desenvolvendo a modalidade e com isso também a medicina esportiva vem tendo acesso a tratamentos de ponta para nossas atletas, antes não tão acessíveis!

 

 Atua com o futebol masculino ou apenas no feminino?

Por enquanto atuo apenas no futebol feminino. A presença feminina no futebol masculino é uma barreira que aos poucos vem sendo quebrada por algumas pessoas. Escutei de amigos que eram médicos de grandes clubes que se eu fosse homem, trabalharia com eles. Acredito que hoje não escutaria mais isso, o que já é uma progressão. Mas a presença da mulher no futebol masculino de forma irrestrita ainda não é uma realidade. Quando comecei, não era nem no feminino. No começo eu era a única mulher de muitas comissões em que trabalhei. Sofri muitos assédios morais e tive muitas dificuldades por ser mulher, mas pensava: não faço só por mim faço por muitas que virão depois de mim! A obrigatoriedade da FIFA em ter uma mulher no departamento medico (seja fisio ou médica) e uma como técnica ou auxiliar ajudou a romper essas barreiras no Brasil, mas por outro lado, sempre digo que precisamos capacitar mais mulheres a trabalhar no futebol e estimulá-las, para que uma maior quantidade de boas profissionais se interessem em seguir esse rumo na carreira.

 

Como é seu trabalho no dia a dia no clube? Acompanha de perto os casos de cirurgias por lesão ou recuperação por alguma doença extracampo, como o caso de Chikungunya da zagueira Day Silva?

Com a minha contratação, hoje o clube dispõe de uma médica exclusivamente para o feminino. Isso nos permite ter um atendimento mais próximo e melhores condições de avaliação e seguimento para nossas atletas, que são todas avaliadas por mim ou pela Bruna, fisioterapeuta que se encontra diariamente no clube. Estamos com um projeto para reestruturação do DM do departamento feminino, para que as Sereias da Vila tenham condições médicas semelhantes às que o profissional masculino dispõe! Hoje, se não estou em viagem, vou para o departamento feminino na Vila Belmiro pelo menos duas vezes por semana. Uma vez por semana compareço ao treino da base e realizo os jogos e competições da principal feminina e base (Sub-16 e Sub-18).No restante do tempo, fico à disposição das atletas e comissão 24 horas por dia em meu telefone e WhatsApp, para quaisquer pendências e emergências. As atletas do profissional são  avaliadas, tratadas e caso seja necessário, dispomos de auxílio de colegas especialistas em determinados casos ou tratamentos, como no caso da avaliação reumatológica da Day, por exemplo. Todas as atletas possuem convênio médico e as jogadoras com lesão de joelho, assim como no profissional masculino, são operadas pelo Dr. Moisés Cohen e acompanhadas pelo DM do clube durante todo o processo pré e pós-operatório, realizando toda sua reabilitação no clube, até o retorno a campo.

 

Além de atuar com o time principal, você também atua com a base, qual a importância dessa integração entre diferentes categorias? Há diferenças ao lidar com as categorias?

Sempre gostei muito de trabalhar com a base, que é quando realmente a atleta está em formação, não só técnica, mas multiprofissional.  Nessa fase, conseguimos moldar o atleta e ele tem disposição para ser adequadamente orientado, aprender como se cuidar, como prevenir lesões, importância do sono, da alimentação e suplementação, quando é a hora de procurar o DM, entre outros. Felizmente, com o crescimento dos DMs nos clubes teremos atletas muito mais preparadas nas próximas gerações e espero que com menos lesões graves tão precoces, como ocorria no passado recente. Se essas atletas aprendem adequadamente na base, elas chegam ao profissional muito mais experientes e temos muito menos trabalho, não só nos tratamentos, mas também no reequilíbrio muscular e ganho da força adequada para prevenirmos as lesões. Os objetivos nas duas categorias, a meu ver, são diferentes. Numa buscamos educar, na outra rendimento.

 

Qual a importância da integração da área médica do clube com a comissão técnica?

 A integração do DM à área técnica é essencial pra evolução das atletas, prevenção de lesões e melhor rendimento. É essencial o trabalho do preparador físico em conjunto com o fisio/médico no dia adia dos atletas. Sem isso, não há um controle adequado de cargas ou um trabalho preventivo de lesões por sobrecarga. Ter uma equipe técnica que compreenda, auxilie e respeite nosso trabalho facilita muito e agrega não só para as atletas individualmente, mas no rendimento do time. Buscamos o mesmo, porém com visões diferentes e isso sempre causa divergências, mas com respeito mútuo no trabalho de todos só agregam ao time.

 

Quais foram os principais desafios do clube durante esse tempo de pandemia?

A pandemia da COVID-19 foi um desafio mundial. Há um ano, o treinamento era domiciliar e o retorno progressivo foi uma fase muito difícil para todas as atletas, já que tivemos um tempo curto de preparo presencial para o início das competições. Isso gerou uma maior sobrecarga às atletas, mas dentre as condições de isolamento a que todos fomos submetidos, acredito que o futebol feminino saiu com saldo positivo. Tivemos que aprender com as dificuldades diárias de se seguir adequadamente todos os protocolos básicos de cuidado e os protocolos específicos do próprio futebol, com coletas seriadas de PCRs e antígenos pré-jogo, que às vezes ocorrem às seis da manhã, quando as atletas deveriam estar dormindo adequadamente para jogar mais tarde, por exemplo. Acabamos tendo muito trabalho burocrático, o que demanda um tempo grande entre solicitações, realizações e cobrança de exames, portal do médico e etc., diminuindo nosso tempo para cuidar de todo o resto.

 

 Como observa os protocolos de segurança durante a pandemia no clube e em torneios como o Brasileirão Sub-16 e Sub-18?

O maior problema da COVID-19, assim como de todas as novas doenças é que as informações, assim como suas fases, são muito dinâmicas e isso gera uma necessidade de adaptação diária. Os protocolos da CBF foram muito bem feitos, por bons profissionais que se preocupam realmente em fazer o certo. Isso ajudou às coisas darem certo e conseguirmos manter tantas competições, mesmo com o caos da saúde mundial. São protocolos de custo alto, tanto para os clubes quanto para as Federações, principalmente devidos aos exames rotineiros, que são essenciais. Esses protocolos exigem coleta de PCR até 72 horas antes dos jogos. No estado de São Paulo, antígeno nas últimas 24 horas. No Santos, mesmo quando não estamos em competição, as atletas do profissional feminino e toda comissão que atua diariamente com elas colhem semanalmente o PCR, mesmo que assintomáticos. Além dos demais protocolos de segurança, essa é uma das forma de conseguirmos detectar precocemente uma provável contaminação e isolamento da atleta. Nas competições da base, o esquema de semi-bolha facilitou e viabilizou a competição e participação de clubes das diversas partes do país, visto que a CBF viabilizou todos os testes e cuidados. Tanto a Aline Pellegrino e equipe, quanto os membros do comitê médico especial, se engajaram para que os campeonatos acontecessem com sucesso total em relação às contaminações. Para nossa felicidade, a taxa de contaminação do feminino tem sido muito mais baixa que do masculino. Sempre digo pras atletas que os protocolos a serem seguidos são chatos, não podemos usar academia, piscina, não podemos ter contato mais próximo com as pessoas, temos que usar máscara e álcool o tempo todo, mas dessa forma conseguimos seguir e continuar trabalhando.

 

Como observa o retorno de atletas após recuperação de Covid? No geral, estão retornando bem ou há sequelas visíveis?

 No Santos seguimos protocolo de avaliação cardiológica e exames sanguíneos pré-retorno, mesmo em atletas com PCR positivo e assintomáticas, devido ao risco de insuficiência cardíaca ser pequeno, mas existente. De forma geral, nossas atletas voltam bem. Algumas retornaram com piora funcional, mas logo se recuperaram. Porém, a avaliação tem que ser individual, pois vários atletas apresentam complicações e tem retorno mais demorado.

 

Existe um trabalho diferenciado com as atletas em relação ao período menstrual? O ciclo influencia no desempenho esportivo?

 Há evidências que demonstram sua influência na performance das atletas e risco de lesões na fase inicial do ciclo. Muitas atletas têm queda de performance relacionada a sintomas como cólica, cefaleia, mau humor, aumento de apetite dentre outros. Nesses casos, quando comprometem, tem indicação de intervenção. Mas essa avaliação tem que ser individual e visa não só o rendimento, mas principalmente o conforto e a vontade das atletas. Muitas não têm queda de rendimento ou sintomas pré ou menstruais e podem não ser afetadas pelo ciclo menstrual, ou não se sentirem confortáveis em utilizar um anticoncepcional, por exemplo,já que alguns estudos também mostram poder alterar a performance! Essas especificidades é que tornam o assunto controverso e têm de ser discutidas entre o médico e cada atleta, para se chegar ao melhor caminho.

Crédito: Arquivo Pessoal

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