22 de junho de 2011. Casa do vô Quim e da Dedeth. Santos, SP.
É final de tarde, estou na casa dos meus bisavós Joaquim e Odete, aguardando a chegada do meu avô Chico. Ele, que conseguiu o ingresso para a final da Libertadores entre Santos e Peñarol tão em cima da hora, quando já estavam todos esgotados, fica preso no trabalho e se atrasa.
Com meus 11 para 12 anos, a aflição toma conta. Naquela campanha, só havia presenciado, com meu avô Edson, a vitória por 1 a 0 diante do América, do México, na Vila Belmiro com um belo gol de Paulo Henrique Ganso.
Impaciente com o atraso, vou com o vô Quim (que era meu bisavô Joaquim, mas sempre chamei de vô Quim) para o Bar do Lima, bem em frente à casa dos bisos e acompanho as disputadas partidas de dominó.
De repente, chega meu vô Chico e partimos para São Paulo e a história começava a mudar o rumo.
22 de junho de 2011. Avenida Paulista. São Paulo, SP.
Como eu havia dito, a história mudava de rumo, a apreensão com o atraso do vô Chico foi tomada pela euforia. O caminho para o Pacaembu estava congestionado e tomado por uma infinidade de carros, um buzinaço e um clima que eu, (lembro:) com apenas 11 anos, não tinha vivenciado.
No carro, a Rádio Bandeirantes, que sempre está sintonizada no carro do meu avô, já vivia o clima da final.
Meu avô, como toda a sorte que sempre teve, achou vaga pertinho do Pacaembu (por alguns reais, é verdade, mas achou). Pela primeira vez na vida, eu ia ao Pacaembu.
22 de junho de 2011. Estádio Paulo Machado de Carvalho. São Paulo, SP.
Ansioso. Eufórico. Nervoso. Tenso.
Diversas emoções poderiam me classificar no momento em que descia as infinitas escadarias do Pacaembu. Mas duas das emoções mais possíveis de serem descritas só surgiram no momento que adentrei pelo portão principal e o relógio já marcava 21h12. Sim, chegamos em cima da horário e corremos contra o tempo. Mas deu certo e, inclusive, conseguimos um bom lugar.
Ah, as emoções! Alegria e amor. Só quem viveu, sabe.
Já estive em diversos jogos importantes e marcantes para o Santos, cito apenas a final da Copa do Brasil contra o Palmeiras, porque, talvez, tenha sido o maior momento que estive depois do duelo com o Peñarol e afirmo: desde aquele 22 de junho de 2011, jamais vivenciei algo que chegasse sequer perto daquela noite no meu, no seu, no nosso Pacaembu (se você não leu essa frase com a voz do narrador do Paca, está fazendo isso errado).
A partida se inicia e, logo, eu e meu avô puxamos assunto com um senhor e seu filho. O nome? Nem perguntamos. O senhor, bem agasalhado por conta do frio que fazia na capital paulista, ouvia a partida simultaneamente em um radiozinho de pilha.
O grito ficou entalado na primeira etapa, em duas oportunidades Elano e uma do lateral-esquerdo Léo. A dúvida do título já pairava nos pensamentos. Meu avô falou: é para o gol sair do nosso lado.
Veio o segundo tempo. Dito e feito. Logo no começo, Arouca recebe no meio de campo, avança um pouco pela direita e toca para Ganso, que devolve em um passe de letra, de primeira. O volume da torcida sobe em um “Ôôôôô…”.
Arouca avança mais e toca de três dedos para Neymar. O som sobe mais um pouco para “Ôôôôôôôô…”.
Mas, de repente, quando a bola toca no pé de Neymar Júnior, que indica um chute de primeira, o mundo para. Um silêncio surge. Mas, logo, o coração volta a bater e se prepara. Até porque o chute iria no canto direito e Sosa não alcançaria. O coração dispara. A alegria toma conta e assume o controle. Meu vô me abraça e, em seguida, trocamos abraços sinceros com o senhor do radiozinho de pilha e seu filho.
Mais ou menos 20 minutos depois, Elano recebeu na intermediária ofensiva e tocou para Danilo na direita. O camisa 22 recebeu e invadiu a área. Novamente, o volume da torcida sobe em um “Ôôôôô…”.
Danilo ajeita para a perna esquerda, que não é a melhor delas. E, novamente, o som sobe mais um pouco para “Ôôôôôôôô…”.
Desta vez, no entanto, o mundo não para. A euforia não permitira tanto, mas o mundo começa a girar em câmera lenta. É possível ver um grito entalado na garganta e um brilhante olhar dos demais presentes no estádio. A bola, que não chega a ir rasteira, mas vai bem baixinha, dá um toque sutil no gramado, antes de reencontrar o canto direito de Sosa e beijar a lateral da rede. Um toque romântico, apaixonado e fatal. Um toque vencedor. Um toque campeão.
Tornamos a sentir o coração acelerar demasiadamente e a abraçar os desconhecidos amigos que fizemos. Desta vez, algumas lágrimas presenciaram o momento.
Por volta dos 30 minutos da etapa final, a grande bandeira da torcida desce e encobre nossa visão. Quando sobe, uma fumaça amarela e preta tomava conta do setor visitante e o placar marcava 2 a 1 para o alvinegro. Mas já era possível sentir a angústia de parte dos torcedores.
Mas, logo depois, veio Neymar, na linha de fundo e tocou para Ganso dar um toque romântico apaixonado e fatal. Quem dera. O camisa 10 errou o chute. Mas a bola voou redondinha na cabeça de Zé Eduardo, o Zé Love, livre e com o gol vazio para dar o toque romântico, apaixonado e fatal que faltara a Ganso para fazer o terceiro gol. Quem dera. A cabeçada de Zé Love foi para fora.
Aos 44, Neymar saiu cara a cara. Deu um toque, tentando uma cavadinha, tirando do carrinho do zagueiro e do goleiro Sosa. Mirando novamente o canto direito. O mundo não parou e o som subiu diretamente para “Ôôôôôôôôôôô…”. Algo parecia errado. E estava. A bola beijou a trave e não entrou.
Neste momento, no entanto, o Santos não sofria, a torcida sentia e o estádio ecoava: “Tricampeão! Tricampeão…”.
O apito final veio, os jogadores invadiram o gramado e a emoção tomou conta. Estes momentos de euforia nem sempre são fáceis de se lembrar. Meu avô decidiu sair um pouco antes de vermos levantarem a taça do estádio, mas o melhor estava por vir.
Como eu nunca tinha ido ao Pacaembu, quis conhecê-lo por todos os ângulos. Meu vô Chico apoiou a ideia. Subimos as infinitas escadarias e, bem no final do caminho, nos deparamos com uma grande grade de metal, que chegava a balançar, e com barulhos que não eram compreendidos por uma criança de 11 anos que não sabe espanhol.
Um segurança me notou assustado, já encostado na parede do estádio, e chamou a mim e meu avô no canto. “Ei, eles vão levantar a taça, o garoto não quer entrar aqui para ver?”. No momento, não me importa se vocês acreditaram nessa história, meu vô Chico é testemunha ocular (até porque só eu entrei). O setor, não me recordo bem qual era, mas na lateral do Pacaembu, com dirigentes nos camarotes ao lado. Foi quando vi uma nova explosão. Maior que a de um gol. A que ocorreu quando Edu Dracena levantou a taça, cercado pelo elenco, pelo então presidente Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro, o Laor, e até pelo Rei Pelé. Que momento.
Nem mesmo ter que descer e subir novamente as infinitas escadarias do Pacaembu me desanimavam. No caminho para o carro, um policial levantou seu cavalo para o meio do mar alvinegro em festa e causou um pequeno aborrecimento aos pais e avós com crianças no local.
22 de junho de 2016. Carro do meu vô Chico. Santos, SP.
Fui para a casa do vô Chico. Dormi quando já quase amanhecia. Acordei cedo, coloquei minha camisa do Santos e fui desfilar com ela pelo Bar do Lima e voltar para a casa do vô Quim (que não era muito ligado em futebol e me olha lá de cima hoje) e da Dedeth.
Sem palavras. A emoção toma conta ao lembrar. Momentos como esses são impagáveis e inapagáveis da memória, e da história.
Obrigado, vô Chico.
Obrigado a todos os outros 37.893 pagantes que estiveram no meu, no seu, no nosso Pacaembu.
Obrigado a todos que fizeram parte da terceira conquista da Libertadores da América.
Obrigado, Santos Futebol Clube.
Obrigado, futebol.
FRANCISCO ERNESTO DO ROSARIO
22 de junho de 2021 at 21:08
Lucas, podem existir várias formas de se homenagear um ser querido, mas tu estrapolastes tôda e qualquer espectativa. Me emocionei demais, porque eu sou o chico do relato. Abraços a todos os Santistas e em especial, a ti Lucas.
Fabricia Marques do Rosário
22 de junho de 2021 at 20:32
Memórias pra vida toda♥️