Dizem que é muito fácil ser “engenheiro de obra pronta”, e que analisar a história é muito mais fácil que prever o futuro. Talvez seja a primeira reação de qualquer despreparado que arriscou a sorte em qualquer empreitada e não quer ser analisado. Mas o estudo daquilo que compõe nossa história é nada menos que fundamental para compreender o presente e é a pedra fundamental para projetar e alicerçar o futuro.
No findar da gestão do ex-presidente Marcelo Teixeira em dezembro de 2009, o Santos possuía cerca de 100 milhões de reais em dívidas totais. O clube saía de uma era de 10 anos ininterruptos de gestão do empresário santista em que houve um renascimento da base e dos títulos no clube. Foram 4 títulos, sendo dois brasileiros, e inúmeras boas campanhas na Libertadores da América. Porém, com o último biênio marcado com um fraco desempenho, chegou nas eleições de 2009 extremamente contestado e com sério risco de perder sua hegemonia no comando do clube praiano.
Com um discurso de profissionalização e descentralização do poder executivo no clube, Luís Álvaro de Oliveira Ribeiro, o LAOR, assumiu em 2010 tendo em mãos uma das maiores safras de craques que o clube já formou em uma era. Discorda? Tudo bem, mas é inegável que desde 2010, e mesmo com a ridícula venda de Neymar, o único clube brasileiro a romper a marca de 1 BILHÃO de reais em atletas vendidos foi o Santos, e muito se deve àquela safra.
Enfim, Luís Álvaro foi reeleito, se afastou e seu vice, Odílio Rodrigues assumiu, Modesto Roma o sucedeu, e ao findar de seu triênio no comando do clube, deixou um rombo de 350 milhões em dívidas totais no clube. Lembrem-se, isso foi em 2017. Em sete anos a dívida que era de 100 milhões mais que triplicou e foi parar em 350. Por fim, José Carlos Peres, mesmo com um cheque de 45 milhões de euros da venda de Rodrygo, conseguiu em apenas dois anos e meio, dobrar o montante da dívida que hoje beira os 700 milhões de reais.
Um cálculo básico. Caso o valor fosse apenas corrigido monetariamente, em 10 anos, a dívida não ultrapassaria os 200 milhões. Mas as gestões se superaram e conseguiram 700% de aumento.
Pô, mas pra que lembrar de tudo isso, Gilvan? Pra que essa conta, bicho!? Simples, o clube que mais revela e mais lucra com a sua base neste século, não consegue gerir suas finanças. E muito disso passa pela incapacidade que existe em grande parte do futebol brasileiro em saber contratar. Em saber mensurar em unidade monetária vigente o valor que determinado atleta pode custar em decorrência do que ele faz em campo.
Hoje se eu pedir ao caro leitor que enumere as 10 melhores contratações do Santos Futebol Clube, nos últimos 10 anos, tenho certeza que haverá dificuldades para criar essa lista. Mas com certeza podemos enumerar as 10 piores contratações nesta última década que reflete até hoje no montante da dívida do clube.
Logo em 2011, após o título da Copa Libertadores e em seu segundo ano de mandato, LAOR anunciou a chegada de Ibson, que foi contratado junto ao Spartak Moscou, da Rússia, por 5 milhões de euros (cerca de 13 milhões de reais à época). Poucos se lembram, mas o sonho do presidente santista era contar com o futebol de Cleiton Xavier, ex- Coritiba e Palmeiras. Claramente, Ibson nunca desempenhou o futebol de dois anos antes, quando foi campeão brasileiro com o Flamengo. No Santos, era opção no banco de reservas para Elano, que veio “de graça” um ano antes.
Outro que veio nesse mesmo período foi Henrique, volante do Cruzeiro. O Santos desembolsou 6 milhões de reais por 80% dos seus direitos econômicos, mas o desempenho não foi esperado. O atleta era constantemente reserva do possante Adriano Pagode e Arouca. Ora, não é possível que precisasse de muito pra entender que o modelo de jogo praticado na época e as características dos jogadores adquiridos não encaixavam a ponto de valer um investimento de 18 milhões de reais, principalmente com o real valorizado à época.
No ano seguinte, tivemos o prazer de vermos o Santos escolher Patito Rodriguez, ao invés de Paulo Dybala, e pagar a bagatela de US$ 3,4 milhões em duas parcelas por 50% dos direitos econômicos do atleta.
A lista é vasta e poderíamos continuar com Montillo (10 milhões de euros), e principalmente Leandro Damião, contratado junto ao Internacional, quando já estava em má fase, em dezembro de 2013, por mais de R$ 40 milhões. Além de ser a compra mais cara da história do Santos, sangra até hoje pela inadimplência de parcelas do negócio.
Poderíamos parar por ai, porém, Modesto Roma e principalmente José Carlos Peres elevaram esse jogo a outro patamar. Não basta apenas a compra de jogadores que não se encaixam no time tecnicamente por valores altíssimos, mas não pagar virou elemento essencial para as negociações. Tenho certeza que qualquer santista, mediocramente informado, nunca mais se esquecerá de Cléber Reis, zagueiro baleado, vendido a preço de pepitas de ouro pelo Hamburgo ao querido Modesto, mandatário da época. Ou os quase R$ 30 milhões não pagos por Cueva. Talvez os 500 mil reais mensais dados ao quase aposentado Bryan Ruiz? Ou quem sabe a façanha de Peres em conseguir comprar Aguilar e vende-lo antes mesmo de pagar por ele?
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Hoje, vivemos o curioso caso de Yefferson Soteldo, o baixinho cuja a transação feita pela gestão passada ainda nos rende o famigerado “transferban“. Ele, inclusive, está vivendo sua segunda temporada no clube. Clube este que não pagou um mísero real em seu favor. A dívida com o Hachipato, do Chile, chega a 7 milhões de dólares.
Pasmem, um atleta que ninguém conhecia, e jogava em um time que ninguém conhecia, foi contratado sob a promessa de pagarmos quase 40 milhões de reais. Surreal! Mesmo hoje, com toda a vitrine que o Santos produziu para ele, indo até a final do segundo maior torneio de clubes do mundo, não há time que pague esse valor no baixinho que parte da torcida insiste em chamá-lo de ídolo mesmo sem ter ganho absolutamente nada aqui.
Precisamos dar um basta, de colocarmos hoje um ponto de ruptura sobre tudo o que vem sendo feito no Santos há pelo menos uma década. Não há metodologia, não há filosofia, há apenas o populismo e a pura vontade de sabe-se lá por que, realizar esse tipo de transações em que todos saem ganhando: investidores, empresários, jogadores, (talvez dirigentes?), exceto o Santos Futebol Clube.
Parte de todo esse problema que o Santos tem estado submerso é proveniente de todas essas contratações extravagantes que não geraram nenhum outro resultado no clube a não ser frustração, dívidas e mais dívidas. Somos o clube que parou uma guerra, somos o clube de uma pequena cidade portuária que tem a história mais rica de todo o Brasil. NÃO PODEMOS VIVER DE RAIOS! Não podemos nos dar ao luxo de acharmos que a mística irá nos salvar para sempre.
Espero em outra oportunidade discorrer sobre como a metodologia aplicada em todo o departamento de futebol, seja profissional e de base, interagindo e tomando por base todos os dados de scouts, e se valendo de cálculos matemáticos para mostrar o preço da vitória, e aplicar tudo isso na folha salarial e nas finanças do clube. Podendo trazer de volta tanto o equilíbrio financeiro, quanto a competitividade esportiva. É trazer a gestão do clube para o século 21.
Aparentemente o primeiro passo já foi dado por Ariel Holan, o técnico que é fissurado em tecnologia e em estudos, pediu, em suas conversas com a diretoria, mais investimento no departamento de análise e desempenho, fazendo com que a diretoria comprasse o mesmo tipo de análise feita por clubes europeus e alguns do Brasil. E aí vai uma crítica a quem cuida do futebol no Santos. Teve que vir um cara de fora mostrar o quanto estamos atrasados? Se não fosse isso estaríamos fazendo o que? Ciranda e pedindo o Elias e José Welisson?
Que o amadorismo acabe e que o Santos crie uma identidade metodológica a ponto de salvar as finanças e continuar dentro das quatro linhas a mais linda história do futebol mundial.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Peixão.
Gabriel Mendes Zupo
26 de março de 2021 at 13:54
Santos está na série A com essas gestões amadoras é um milagre